Quem busca um grande amor se coloca em risco de se apaixonar.
A paixão é marcada pela intensidade e, por isso, ao mesmo tempo em que é deliciosa e divertida, pode tornar-se perigosa a ponto de ameaçar aquilo que mais amamos. Como se apaixonar e não cair nas armadilhas do amor? Como experimentar esse sentimento tão gostoso e não se tornar “dependente” a ponto de se perder de si mesmo ou de atribuir ao parceiro a responsabilidade por nossa felicidade?
Esta linda história de Rubem Alves intitulada A Pipa e a Flor, nos apresenta cenas muito típicas de relacionamentos que encontramos vida afora. Longe de ser uma história comum, retrata de forma muito real, as fortes emoções que experimentamos ao nos apaixonar por alguém, a forma como costumamos administrar as diferenças com o nosso parceiro amoroso e os resultados dos erros que cometemos tentando resolver as coisas considerando apenas as nossas necessidades…
Depois da leitura, deixo para você algumas reflexões interessantes que te ajudarão a ampliar o seu olhar na experiência a dois e evitar as armadilhas que, tradicionalmente, vem destruindo relações.
Vale a pena a leitura!
O menino que a fez estava alegre e imaginou que a pipa também estaria. Por isso fez nela uma cara risonha, colando tiras de papel de seda vermelho: dois olhos, um nariz, uma boca… Ô pipa boa: levinha, travessa, subia alto… Gostava de brincar com o perigo, vivia zombando dos fios e dos galhos das árvores.
_ “Vocês não me pegam, vocês não me pegam… ”
E enquanto ria sacudia o rabo em desafio. Chegou até a rasgar o papel, num galho que foi mais rápido, mas o menino consertou, colando um remendo da mesma cor.
Mas aconteceu que num dia, ela estava começando a subir, correndo de um lado para o outro no vento, olhou para baixo e viu, lá num quintal, uma flor. Ela já havia visto muitas flores. Só que desta vez os seus olhos e os olhos da flor se encontraram, e ela sentiu uma coisa estranha. Não, não era a beleza da flor. Já vira outras, mais belas. Eram os olhos…
Quem não entende pensa que todos os olhos são parecidos, só diferentes na cor. Mas não é assim. Há olhos que agradam, acariciam a gente como se fossem mãos. Outros dão medo, ameaçam, acusam, quando a gente se percebe encarados por eles, dá um arrepio ruim pelo corpo. Tem também os olhos que colam, hipnotizam, enfeitiçam…
Ah! Você não sabe o que é enfeitiçar?! Enfeitiçar é virar a gente pelo avesso: as coisas boas ficam escondidas, não têm permissão para aparecer; e as coisas ruins começam a sair. Todo mundo é uma mistura de coisas boas e ruins; às vezes a gente está sorrindo, às vezes a gente está de cara feia. Mas o enfeitiçado fica sendo uma coisa só…
Pois é, o enfeitiçado não pode mais fazer o que ele quer, fica esquecido de quem ele era… A pipa ficou enfeitiçada. Não mais queria ser pipa. Só queria ser uma coisa: fazer o que a florzinha quisesse. Ah! Ela era tão maravilhosa! Que felicidade se pudesse ficar de mãos dadas com ela, pelo resto dos seus dias…
E assim, resolveu mudar de dono. Aproveitando-se de um vento forte, deu um puxão repentino na linha, ela arrebentou e a pipa foi cair, devagarzinho, ao lado da flor. E deu a sua linha para ela segurar. Ela segurou forte. Agora, com sua linha nas mãos da flor, a pipa pensou que voar seria muito mais gostoso. Lá de cima conversaria com ela, e ao voltar lhe contaria histórias para que ela dormisse.
E ela pediu:
_ “Florzinha, me solta… ”
E a florzinha soltou. A pipa subiu bem alto e seu coração bateu feliz. Quando se está lá no alto é bom saber que há alguém esperando, lá embaixo. Mas a flor, aqui de baixo, percebeu que estava ficando triste. Não, não é que estivesse triste. Estava ficando com raiva. Que injustiça que a pipa pudesse voar tão alto, e ela tivesse de ficar plantada no chão. E teve inveja da pipa. Tinha raiva ao ver a felicidade da pipa, longe dela. Tinha raiva quando via as pipas lá em cima, tagarelando entre si. E ela flor, sozinha, deixada de fora.
_ “Se a pipa me amasse de verdade não poderia estar feliz lá em cima, longe de mim. Ficaria o tempo todo aqui comigo… ”
E à inveja juntou-se o ciúme. Inveja é ficar infeliz vendo as coisas bonitas e boas que os outros têm, e nós não. Ciúme é a dor que dá quando a gente imagina a felicidade do outro, sem que a gente esteja com ele. E a flor começou a ficar malvada. Ficava emburrada quando a pipa chegava. Exigia explicações de tudo.
E a pipa começou a ter medo de ficar feliz, pois sabia que isto faria a flor sofrer. E a flor aos poucos foi encurtando a linha. A pipa não podia mais voar. Via ali do baixinho, de sobre o quintal (esta era toda a distância que a flor lhe permitia voar) as pipas lá em cima… E sua boca foi ficando triste. E percebeu que já não gostava tanto da flor, como no início…
Essa história não terminou. Está acontecendo bem agora, em algum lugar… E há três jeitos de escrever o seu fim. Você é que vai escolher.
_ “Não vou te incomodar com os meus risos, Flor, mas também não vou te dar a alegria do meu sorriso”. E assim ficou amarrada junto à flor, mas mais longe dela do que nunca, porque o seu coração estava em sonhos de voos e nos risos de outros tempos.
O feitiço só se quebraria no dia em que ela fosse capaz de dizer não à sua inveja e ao seu ciúme, e se sentisse feliz com a felicidade dos outros. E aconteceu que um dia, vendo a pipa voar, ela se esqueceu de si mesma por um instante e ficou feliz ao ver a felicidade da pipa. Quando isso aconteceu, o feitiço se quebrou, e ela voou, agora como borboleta, para o alto, e as duas, pipa e borboleta, puderam brincar juntas…
Porque aqueles eram abraços que amarravam. E assim, num dia de grande ventania, e se valendo de uma distração da flor, arrebentou a linha, e foi em busca de uma outra mão que ficasse feliz vendo-a voar nas alturas.
E então, qual é o final que você mais gostou? O que você acha mais justo? Aquele que pode trazer maior satisfação e felicidade?
1) Vemos no início da história a leveza e alegria com a qual a pipa levava sua vida. Ela sentia-se bem e feliz, aproveitando as oportunidades e fazendo tudo aquilo que sua condição lhe permitia – simplesmente sendo quem ela era, uma pipa! Diante da dificuldade, teve apoio (de quem se importava com ela) e seguiu a vida ainda mais experiente.
Tropeços, quedas e ferimentos fazem parte da caminhada e precisamos aprender a lidar com eles. Quanto mais nos fortalecemos, aprendendo a “olhar para dentro” e a cuidar da gente, mais seguros e felizes nos sentiremos em relação à vida.
Desenvolver nossa identidade (autoconceito), nosso autoconhecimento, autoestima e autoconfiança é um caminho inevitável em busca do nosso equilíbrio emocional. Estando bem conosco teremos condições de investir e construir relacionamentos saudáveis com o outro.
2) No decorrer da nossa vida, de tempos em tempos nos deparamos com situações novas, muitas vezes inusitadas, que fazem surgir em nós pensamentos e sentimentos diferentes e, nem sempre, lidamos com eles de maneira adequada. Nessa história, quando a pipa se deparou com um sentimento que até então desconhecia – a paixão que enfeitiça! – se perdeu de si mesma.
Esse sentimento, intenso e arrebatador, assumiu um papel de comando, impedindo-a de avaliar os fatos com a clareza da razão, tão importante diante dos acontecimentos da vida.
Sem experiência nas relações amorosas, deixou-se envolver pelo encanto da paixão, entregando sua vida a quem mal conhecia. Tomou uma decisão por impulso e construiu sonhos de felicidade que não se sustentariam por muito tempo.
3) Nessa história, o grande problema foi que a pipa, envolvida em seus sonhos e certezas, não conseguiu olhar para a flor em sua essência. Se apaixonou por sua aparência, sem se preocupar em conhecer o seu íntimo. E a flor era muito diferente dela.
Em muitas situações na vida, inclusive em nossas relações amorosas, nossa habilidade de fazer boas escolhas nos poupam de desgastes e decepções ao mesmo tempo em que nos conduzem a experiências mais satisfatórias. Desenvolver nossa habilidade de tomada de decisão, através da busca de informações sobre o outro e sobre nós, da análise de fatos ocorridos durante a caminhada a dois e da avaliação das dificuldades e facilidades enfrentadas na relação, fará uma grande diferença na construção da nossa história amorosa.
4) A falta de comunicação empática e de qualidade traz grandes prejuízos aos relacionamentos amorosos. As diferenças individuais entre os parceiros podem ir se complicando quando não são conversadas e resolvidas. Sentimentos “ruins” e desagradáveis de serem sentidos começam a incomodar. Surgem comportamentos de agressão, sabotagem, controle. Inicia-se uma guerra, uma competição para ver quem tem razão, quem é melhor, quem vai se dar bem, etc. E assim, o sentimento de amor vai desaparecendo.
5) Um relacionamento amoroso deve servir para crescimento e felicidade de ambos os parceiros. Ele não chega pronto em nossas vidas, deve ser construído ao logo do tempo. Precisamos de comprometimento, conhecimento, boa vontade, respeito às características e individualidade de cada um e muitos ajustes de ambas as partes. Uma relação saudável reflete em bons sentimentos e fortalece o amor entre o casal.